terça-feira, 17 de outubro de 2017

TCE encontra fraude no transporte escolar em cidades do Ceará

Prefeituras contratam veículos sem as condições ideais de realizar o serviço; muitos trafegam de forma precária.

Os municípios de Boa Viagem, no Sertão Central, e de Marco, na região Norte, serviram de base para um trabalho pioneiro de fiscalização e auditoria na contratação de transporte escolar municipal, um dos caminhos usados por gestores para o desvio de recursos públicos. Durante o trabalho, concluído em setembro passado, os auditores verificaram a ocorrência de direcionamento, fraude ou irregularidades nas licitações e na contratação dos serviços de transporte escolar; ineficiência na execução de contratos; e ausência de mecanismos para evitar irregularidades na prestação do serviço.
O trabalho é uma iniciativa do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE) em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC) e Tribunal de Contas da União (TCU) e vai se estender a outras cidades.
SAIBA MAIS
A Série de reportagens Descaminhos da Escola abordou a questão em junho de 2015: http://bitly.com/descaminhosdaescola1
O total dos benefícios quantificáveis da auditoria foi de R$ 1.650.785,44. Entre outros ganhos pode-se mencionar a correção de irregularidades ou impropriedades e a melhoria na forma de atuação dos municípios fiscalizados na execução do transporte escolar, oferecendo serviço de melhor qualidade e maior segurança para os alunos da rede pública municipal de ensino.
A auditoria foi concluída. Após o procedimento de fiscalização ocorre a oportunidade de manifestação do contraditório, de esclarecimentos, da ampla defesa e o Tribunal vai julgar e pode resultar em Tomada de Conta Especial, ressarcimento de recursos, e encaminhamento para Justiça por improbidade administrativa.
"É um trabalho piloto de fiscalização que vai trazer redução de custo e melhoria na qualidade do serviço prestado", ressaltou o secretário de Controle Externo do TCE, Raimir Holanda. "Vamos aplicar essa metodologia em todos os municípios a partir de 2018, verificando as rotas e o tipo de veículo se estão de acordo com o contrato".
A auditoria no setor é inovadora e contou com o apoio do Grupo de Pesquisa em Transporte, Trânsito e Meio Ambiente da Universidade Federal do Ceará (UFC), sob a coordenação do professor Mário Ângelo Nunes de Azevedo Filho, do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade.
O professor Azevedo Filho analisou o material colhido em campo e fornecido pela equipe de auditoria, com georreferenciamento de amostras por município das rotas do transporte escolar. De posse dos dados, o docente promoveu estudos visando à racionalização e otimização das vias utilizadas no serviço e propôs novos caminhos objetivando mais conforto aos alunos , menor tempo de duração do percurso e diminuição do custo por quilômetro percorrido.
O volume de recursos fiscalizados foi de R$ 6,7 milhões corresponde ao somatório de dois contratos firmados pelos municípios auditados para a execução do transporte escolar em 2017. Em Boa Viagem, celebrou-se contrato com a empresa Safety Car Locações e Serviços de Transportes no valor de R$ 3,9 milhões decorrentes de licitação na modalidade pregão. No município de Marco, a gestão firmou contrato com a empresa P.M. Souza Freitas Transporte no valor de R$ 2,8 milhões, por meio de pregão presencial.
Até o final da fase de execução da auditoria, em setembro passado, o valor total dos recursos utilizados pelos dois municípios para a execução do transporte escolar foi de apenas R$ 1,5 milhão, sendo R$ 767 mil em Boa Viagem e R$ 747 mil na cidade de Marco. Técnicos do extinto Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) agora fazem parte do TCE. "Os serviços de inspeção e auditoria serão intensificados em 2018 a partir do Plano Municipal de Fiscalização e queremos visitar cada cidade duas vezes por ano", frisou Raimir Holanda. "Infelizmente, alguns problemas se repetem e em quatro anos queremos aplicar esse programa que deu resultados interessantes no projeto piloto em todo o Ceará".
Relatório
O TCE está elaborando relatórios sobre a auditoria e fiscalização. "Não se justifica a existência de rotas duplicadas, uso de veículo diverso do que foi contratado, com mais custo para os municípios", observou Holanda. "Esses recursos poderiam ser aplicados em benefício da população em outros setores".
Não se sabe a quantidade de desvio de recursos públicos nas administrações municipais. Órgãos de fiscalização e controle como o extinto Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), o TCE, o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal (MPF), TCU e a Procuradoria dos Crimes contra a Administração Pública (Procap) a cada ano detectam casos com fortes indícios de corrupção.
A coordenadora da Procap, procuradora de Justiça, Vanja Fontenele, destacou recentemente que é dever do administrador público observar os princípios constitucionais que regem a Administração Pública, com ênfase para os da legalidade, moralidade, economicidade e eficiência para evitar excesso de gastos, possíveis desvios de recursos e assegurar o equilíbrio das contas públicas. "Esperamos que os gestores respeitem a Constituição, as leis, apliquem corretamente os recursos públicos porque o povo precisa e merece", frisou.
Em junho de 2015, uma série de reportagens do Diário do Nordeste abordou a questão do descaso no transporte escolar no Interior do Estado. Assinada pelo repórter especial Melquíades Júnior, a série, intitulada "Descaminhos da Escola" denunciou várias irregularidades.
Análise

Acidentes são tragédia anunciada

Melquíades Júnior. Repórter Especial
Se tem uma tragédia anunciada é de que todos os anos ao menos uma criança morre no Ceará em acidente envolvendo transporte público escolar no Interior. As condições são parecidas: veículo caindo aos pedaços, crianças viajando soltas, até acontecer o que o poder público ousa chamar de "fatalidade", quando em verdade todas as condições já levavam ao pior. Mas tem outra constatação: os veículos são em geral terceirizados. A Prefeitura tenta se isentar da responsabilidade, mesmo sendo ela a responsável pelo pagamento de contratos milionários para transportar crianças em ônibus precários. A situação que descrevi aqui foi aplicada regularmente nas tragédias no Ceará, só mudando o nome da cidade e o da criança morta. No ano de 2015, tive a oportunidade de analisar os gastos de todos os 183 municípios do Interior cearense apenas com a locação de transporte escolar. Nesse levantamento inédito, a conta fechou em R$ 500 milhões de gasto anual. Entre as principais irregularidades que constatamos, o superdimensionamento nas rotas de viagem.

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