– O senhor vai pra onde?
– Eu vou trabalhar. Sou aposentado, mas ainda trabalho.
– O senhor trabalha aonde?
– No Ipec (Instituto de Previdência do Estado do Ceará), que passou a ser denominado como Instituto de Saúde dos Servidores do Estado do Ceará (Issec), em 2007.
– Ah, o senhor trabalha no Ipec! Então é bem capaz de ser conhecido do meu pai? A minha mãe disse que ele trabalhava no Ipec, mas eu acho que ele não está mais nem aqui.
– Como é o nome do seu pai?
– Francisco Nazaré Galvão.
– Bem, se não for eu, é o meu irmão!
– E o senhor tem um irmão com o mesmo nome?
– Tenho!
– Pois quando o senhor encontrar com o seu irmão pergunte se ele namorou com a Lúcia…
“Assim, comecei a contar toda a história que a minha mãe tinha me falado. Ele tirou os óculos escuros e as lágrimas já estavam descendo”, relembra do diálogo que aconteceu em julho de 2017, quando a manicure Joana D’arc Bezerra, de 39 anos, leu no envelope do senhor que sentou do seu lado: Francisco Nazaré Galvão e puxou conversa com aquele desconhecido, que carregava o mesmo nome do pai, que a mãe contou na infância, mas que nunca a registrou.
O ônibus da linha Borges de Melo é da rotina dos dois, que moram há exatos quatro quarteirões de distância, mas nunca se cruzaram. Mas que selou a história quando a manicure Joana D’arc Bezerra, 39 anos, encontrou pela primeira vez o seu pai.
Um envelope que o aposentado carregava, com o sobrenome dele escrito, levantou a suspeita de Joana antes de começarem a conversar. Somente um ano depois do primeiro encontro, os dois vieram buscar exame de DNA, que, por intermédio da Defensoria Pública do Estado do Ceará, confirmou a suspeita: Francisco Galvão é o pai biológico de Joana D’Arc.
Francisco Nazaré Galvão, de 75 anos, namorou com a mãe de Joana há quarenta anos. A mãe dela engravidou, mas o casal terminou o relacionamento antes do nascimento da bebê. Francisco perdeu o contato e não teve mais informações da ex.
Joana cresceu sem pai, criada junto dos avós maternos. E, apesar de saber seu nome e o local de trabalho, nunca foi procurá-lo. Até que o acaso os reuniu.
“Eu fiz uma foto no dia que o encontrei, mandei para minha mãe e contei o que havia acontecido. Ela confirmou: ele era o meu pai e quase infartou quando soube que nos conhecemos dentro do ônibus”, comenta.
Questionado pela filha por que nunca a procurou, o pai lamenta. “Se eu fosse procurar pelo o que eu não perdi, quando eu encontrasse eu não ia conhecer. Mas Deus fez melhor e nos colocou no mesmo caminho”, explica sem jeito.
Na última sexta-feira (21 de setembro), pai e filha receberam a confirmação de uma certeza que o coração de ambos já tinha. “Eu num dizia que você era a minha filha? Ela não acreditava, porque é difícil mesmo de acreditar nessa coincidência toda. Mas está aqui o papel que confirma tudo”, comemorou o senhor, de cabelos brancos, pelo ‘nascimento’ da nova filha. Abraçados, não se desgrudaram, como se o elo nunca tivesse sido rompido.
O próximo passo é inserir o nome do pai de Joana no registro de nascimento, já que a manicure foi registrada só no nome da mãe, e providenciar a mudança no restante da documentação dela e na do filho de 17 anos.
“Trata-se de um reconhecimento de paternidade realizado diretamente no próprio cartório. Munidos do resultado do DNA, não há necessidade de judicialização. Basta eles se dirigirem ao cartório onde Joana foi registrada e requerer o reconhecimento de paternidade tardia espontânea. A segunda via do documento já com o nome do sr. Galvão é entregue em poucos dias. Depois é só ela se dirigir em cada órgão competente para emitir a segunda via dos demais documentos. Depois que ela atualizar toda a documentação, precisamos fazer a retificação do registro de nascimento do filho adolescente e inserir o nome do avô materno”, explica a defensora pública e supervisora do Núcleo Central de Atendimento, Andréa Rebouças.
Joana cresceu sem o nome do pai no registro de nascimento. E, assim como ela, 5,5 milhões de crianças brasileiras também não têm o nome do pai no documento. Os dados são do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base no Censo Escolar de 2011. A inclusão do nome do pai pode ser feita espontaneamente: se o pai não participou do registro de seu filho e quer fazê-lo posteriormente, o reconhecimento pode ser realizado a qualquer tempo, é gratuito,pode ser feito direto no cartório do registro dos filhos.
De acordo com o Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017, do CNJ, a orientação é que o pedido seja feito, preferencialmente, no cartório em que a pessoa foi registrada, o que agiliza o processo. A solicitação do reconhecimento espontâneo de paternidade pode ser feita pela mãe da criança, pelo próprio filho maior de 18 anos, ou ainda pelo pai que deseja confirmar sua paternidade. Para ser feita no cartório, os pais precisam ser maiores de 18 anos.
“A falta do nome da figura paternal nos documentos não é só um espaço em branco. Independente da forma que a criança, sua mãe e o restante da família lidam com isso, o registro sempre terá a ver com identidade e história. O reconhecimento é, além de uma obrigação jurídica, é um dever moral que tem um impacto significativo no desenvolvimento e na vida dos filhos”, complementa Andréa Rebouças.
Fonte: Tribuna do Ceará
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