quinta-feira, 20 de junho de 2013

Brasil sob Protestos, Multidões em busca de identidade

Padre Emídio comenta em sua página no facebook, ondas de protestos no Brasil.
Cientistas, políticos, antropólogos e sociólogos tentam entender o que está acontecendo no Brasil – que de repente, multidões sem uma liderança e sem um foco de reivindicações invadem ruas e cidades. Diante dos fatos, recordo-me de Bansir, personagem de George Clason que vive tranquilo numa Babilônia, onde se misturam grandezas e misérias, riqueza ostentatória e mendicidade. Mas um dia acordou de um sonho em que se via como homem de posses e comparou com a realidade da falta de dinheiro no bolso e foi tomado por um grande sentimento de revolta. 
Quero voltar um pouco na história para construir minha humilde resposta.
Entre mil e quinhentos a mil novecentos e oitenta estabeleceu-se na consciência do Ocidente o que os teóricos chamaram de Modernidade. Tempo em que se acreditava que a racionalidade e a ciência dariam aos homens um Estado garantidor do bem estar social e da justiça. E de fato, houve grandes avanços científicos tecnológicos, mas a Modernidade fracassou em suas utopias. O Estado manifestou-se como empresa ineficiente, propensa ao estabelecimento da corrupção. A solução foi o encolhimento do Estado e a predominância da economia de mercado competidor, sem o controle dos Estados.


Em decorrência da economia de mercado sem o controle dos Estados, dar-se o divórcio entre o Poder e a Política. Poder entendido como a capacidade de fazer. Política compreendida como a capacidade de decidir o que o poder deve fazer. Hoje, nenhum governo tem mais esta prerrogativa plena de determinar o que será feito em seus país, sem antes submeter-se à economia do mercado internacional financeiro e de consumo que, de maneira impessoal, dita as regras da ação política. Esta situação globalizada, engessada pelas leis do mercado, a partir da década de oitenta fez as nações despertarem de um sonho maldito do consumismo para a realidade de pesadelo, que demanda uma ética para reorganizar a vida, porque estamos todos mergulhado no deserto e as flores são todas de plástico.

Surge o que os teóricos chamam de Pós-Modernidade. O despertar do sonho criado pela consciência moderna! Ele é impossível. Se não para alguns, o é para as grandes massas, que agora se sentem traídas pelo ideário modernista. Para tentar sobreviver gerando lucro, o mercado introduz os conceitos de produtividade na produção pelo implemento cada vez maior da tecnologia. Desfaz nas massas de meia idade e dos jovens o sonho de um emprego. Em contrapartida, exige dos Estados a austeridade nos gastos públicos para conter a inflação que corrói os lucros. A massa de desempregados – sem esperança de um novo emprego a curto prazo – tem direito por um pequeno tempo ao seguro desemprego. Aos adultos é adiada a cada dia o direito à aposentadoria e aos aposentados cortam-se muitos benefícios. Para garantir o padrão de consumo, um emprego não basta. São necessários dois ou três e, mesmo os aposentados precisam continuar trabalhando. Ralph Waldo Emerson diz que a Pós-Modernidade é a época em que se vive como quem corre sobre uma fina camada de gelo, se parar ela racha, e quando ela racha, você se afunda, se afoga e desaparece. Você está correndo para lugar nenhum, mas não pode parar e corre para não se afundar e desaparecer. 
Zygmunt Bauman explica a Pós-Modernidade como sociedade líquida – família, trabalho, relações pessoais –, pois não há nenhuma garantia de que quem está ao seu lado permanecerá. Tudo é fluido! A razão te ensinou que você está afundando num mar de areia movediça e que você sozinho não tem como se puxar para o alto. Mas não tem escapatória, pois a razão tornou-se um pó fino que vai caindo sobre você e lhe causa medo, incomoda e cria angústia, mas que não há como fugir dela, porque ela é parte de sua alma, que sabe mais do que deve, mas não sabe tudo que precisa. Por isso, também é impossível retornar. Deve ter sido esta percepção que fez Nietzsche afirmar que o homem moderno é um ser que caminha para o abismo, não pode parar e nem mudar de sentido. Resta-lhe apenas ser corajoso para cair no abismo dançando, em vez de covardemente, cair se lamuriando.
Depois deste arco teórico, retomemos alguns fatos. Houve um tempo, nas décadas de sessenta a noventa que as cadernetas de poupança foram substituídas pelos altos empréstimos para financiar o progresso e os cartões de créditos para garantir o consumo. A partir de então, nesta sociedade líquida cada um passou a ser identificado pela sua capacidade de dever. Dever dá lucro ao banqueiro e a seguradora de cartões. Quem não deve não contribui com o crescimento econômico porque não paga juros e nem é um bom consumidor. Foi um tempo de farras e orgias econômicas. O empresariado parecia ter achado a chave de como funciona o mundo.
Os jovens atuais nasceram neste contexto e sonharam com este alto padrão de consumo. Dele depende a construção de sua identidade social. Neste mundo fluido a identidade é estilo: o que se veste, o restaurante que se frequenta, as pessoas com quem se anda, os bens que se ostenta possuir! “Eu era feio e agora tem um carro”, subtende-se: fiquei bonito, cantam os aviões do forró. Subtende-se também que sem carro, sem a companhia de gente rica que se encontra nos caros restaurantes e sem as roupas de marca das grifes encontradas nos shopping centers, não se é nem feio. Não se é nada! Porque não se é percebido. Pior que não ter estes bens de consumo e não ter dinheiro para adquiri-los. É estar condenado ao “não-ser” social. 
Agora, como Bansir, os jovens do Brasil acordaram deste sonho de alto consumo, ainda bombardeados pela mídia que lhes impõe o estilo para ser importante, famoso e, feliz: precisa ser consumidor de altas marcas que dão status. Mas vendo-se sem dinheiro no bolso, começam a descobrir que terão que se manter com o dinheiro que os pais conseguiram. No entanto, seus pais ainda estão empenhados em pagar dívidas dos bons tempos em que quem não tinha dinheiro tomava emprestado a longo prazo. Daí, a pressão do mercado que de um lado incentiva o consumo e do outro exige austeridade dos Estados é internalizada na convivência familiar. 
Mas não há solução dentro de casa, os jovens vão às ruas – com razão – protestar. Vocês nos ensinaram que para valer temos que consumir e nos negam as condições para isto. Negam-nos a nossa identidade-estilo. Queremos transportes baratos porque queremos ir ao cinema e ao shopping; queremos educação de qualidade que nos assegure um emprego com alto salário; queremos o direito de consumir e consumir. Queremos o dinheiro que nos disseram faltar, mas que agora aparece de forma ostensiva nos gastos com a Copa. Há dinheiro sim, só não está nas nossas mãos! Este dinheiro nos pertence. Precisamos dele em nossas mãos para sermos como vocês nos ensinaram. Negando-nos este dinheiro, vocês negam-nos o direito de ser. Este é grito silencioso que escuto em todas as vozes das ruas tomadas de jovens. O que fascina os jovens a ir às ruas é esta busca de identidade!
Esperemos mais e mais protestos para ver até onde vamos. De fato o Brasil arrecado em 2012, um trilhão e vinte nove bilhões de reais. Deste dinheiro foram gastos em benefícios sociais pouco mais de 60 bilhões de reais, o que não representam 6% da arrecadação. Em Paris a passagem de ônibus é de R$ 3,55 e o salário mínimo de R$ 3.942 mensais. Em Nova York a passagem é de R$ 2,25 e o trabalhador recebe no mínimo R$ 15,50/h, isto é, R$ 2.730 por mês. Já em Buenos Aires o ônibus é cobrado R$ 0,50 e o salário mínimo está em R$ 1.325. Aqui o trabalhador recebe um salário mínimo de R$ 678,00 e pretendem cobrar R$ 3,20 pela passagem. O poder de consumo de nossa população ainda é muito pequeno em relação aos outros países. Os Jovens querem consumir mais e mais e melhor. Este é o Brasil dos sonhos! "Construam os seus estádios de futebol que nós vamos construir o nosso País. Pelo Brasil Melhor”, gritam os jovens.
     Fonte: Facebook do Padre Emídio

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